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segunda-feira, 31 de julho de 2017

Todo mundo faz lobby! Então todos são corruptos? Não!

Todo mundo faz lobby! Sim, todos!
Então todos são corruptos? Não!  
Ocorre que a hipersemiotização desta palavra levou-nos a ter esta perspectiva. Cabe a nós redirecionar o debate, sobretudo no contexto da Lava Jato, onde muitos denunciados arrolados e presos são achichelados de lobistas.

Lobby remete ao poder que, por seu conceito, é impor sua própria vontade sobre a vontade de outros (Weber, 1991). Assim, quando a uma criança é negada alguma vontade, implementaria a caturrice, chora, esperneia. Isto é uma tentativa de lobby passional. Ou quando a criança já articula com o irmão pedir em uníssono para os pais alguma coisa, já começam a fazer um lobby com mais cognição.

As associações empresariais, os sindicatos, o PETA People for the Ethical Treatment of Animals, o Movimento da Negação da Negação (MNN), as bancadas no Congresso Nacional, todos fazem lobby – são organizações identificáveis. Todos têm em comum o princípio constitucional do direito à livre associação e manifestação. E quando exorbitam a civilidade, legalidade e ética? É aqui que argumentarei que há diversas leis e regulamentos.
À guisa de comparação, em um estado de natureza hobbesiano onde todos tentariam impor suas vontades aos outros resultando em caos, Hobbes advogava o Leviatã, o Estado. Passados cinco séculos de influência republicanas e democráticas, chegamos a uma configuração republicana de democracia – o Estado aqui, detentor do monopólio legítimo da violência, ainda regula, autorregula os poderes constituídos, a economia e seus constituintes por meio do embate político. Portanto, todos aqui fazem lobby, incluindo os vértices do processo decisório: o presidente da república, o presidente do Congresso Nacional e o presidente do Supremo Tribunal Federal. Todos, sem exceção!

Os lobbies privados são regulados por contratos de natureza privada. Já quando se trata de lobby sobre a coisa pública (res publica) isto concerne a todos. Aqui já há um arcabouço regulatório robusto:
  1.  Código Penal de 1940: diversos dispositivos que tipificam a conduta lesiva à administração pública.
  2. Lei do Impeachment (Lei 1.079/1950): tipifica os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
  3. Código Eleitoral (Lei 4.737/1965): diversos dispositivos que tipificam os crimes eleitorais e respectivas penalidades.
  4. Decreto-Lei 201/1967: dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores.
  5. Art. 37. da Constituição Federal de 1988: elenca os princípios inerentes à administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios :Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (L.I.M.P.E.) –  um acrônimo sugestivo a esses princípios.
  6. Código de Conduta da Alta Administração Federal (2001): elevado padrão de comportamento ético capaz de assegurar, em todos os casos, a lisura e a transparência dos atos praticados na condução da coisa pública.
  7. Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa):
    dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
  8. Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações): regramento capaz de garantir o LIMPE do Artigo 37 supramencionado e promover concorrência leal entre contratados.
  9. Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998): dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos.
  10. Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000): estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.
  11. Decreto 4.410/2002: promulga a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996.
  12. Lei 10.467/2002: dá efetividade à Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997.
  13. Decreto 5.687/2006: Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003.
  14. Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010): casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.
  15. Lei de Dados Abertos (Lei 12.527/2011): dispõe sobre transparência do uso dos recursos públicos.
  16. Lei Anticorrupção Lei 12.846/2013: dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
  17. Acórdão do STF sobre ADI 4.650: veda doação de empresas em campanhas eleitorais.
Parte desse arcabouço jurídico contra a corrupção e condutas antiéticas é recente, se acentuando com o novo contexto político de prisões de políticos relevantes e grandes empresários na última década. Mas não se muda a cultura a fórceps legiferante. Como se viu, ainda que muitos movimentos sociais se tenham se organizado para apontar mudança nas políticas, a taxa de renovação na Câmara dos Deputados, por exemplo, se manteve entre 45% e 47% nas últimas três eleições federais.

A contradição é justamente parte da demanda popular buscar renovação e não votar de fato em novos quadros ou não conseguir persuadir outros eleitores. É aqui que entra esta questão cultural mais profunda – uma questão para outro artigo. Mas a correlação é nível de escolaridade versus corrupção. O relatório da Transparência Internacional Corruption Perceptions Index 2016 aponta: quanto maior o nível de educação de um país menor será a corrupção ou, pelo menos, menor a tolerância a condutas antiéticas.

O advento da Lava Jato, em que pese certa discricionariedade da judicialização política, tem modificado este tipo de percepção para melhor. E convém aos cidadãos fazer sua parte: atuar e votar nas próximas eleições de maneira consciente, não só buscando informações sobre a atuação pregressa dos candidatos, mas também acompanhando a atuação dos eleitos no processo decisório. A cobrança por ética na política deve ser rotineira e não apenas nos momentos de crise.

Tendo em vista o contexto político atual, é salutar a discussão de iniciativas no Congresso Nacional, dentre elas o Projeto de Lei Substitutivo SBT 3 CCJC, da Deputada Cristiane Brasil, que pretende disciplinar a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e que avança frente à proposição original (PL 1202/2007 do Deputado Carlos Zarattini).

O debate visa promover a transparência nas relações governamentais, principalmente por parte da iniciativa privada, mas também nos órgãos da administração federal. De um modo geral, este movimento tende a ter um aspecto pedagógico para os profissionais de relações governamentais atuantes e futuras gerações de forma a internalizar condutas éticas e não meramente submissas às leis. A conduta ética é construída com educação de qualidade e não com legislação draconiana.

Este projeto de lei também endereça a transparência em relação aos conflitos de interesse que, por vezes, são omitidos.

Imaginemos um exemplo fictício na zona cinzenta: a esposa de um ínclito governador é profissional de relações governamentais e ela assinou contrato com um grande cliente que, tenha algum interesse na regulamentação de algum serviço no estado que o marido administra. As premissas e obrigações deste projeto objetiva também mitigar a zona cinzenta do tráfico de influência.

Não se pode descuidar, no entanto, de investir em política pública para educação de qualidade e que novas gerações já sejam aptas a identificar, rejeitar e denunciar qualquer tipo de conflito de interesse quando se trata da coisa pública. Talvez com o projeto acima mencionado, possamos identificar os lobbies legítimos em torno das políticas públicas educacionais, sejam eles públicos ou privados. Assim será possível avaliar com mais rigor a eficiência e eficácia dos recursos públicos.

Anselmo Takaki – Consultor de relações governamentais e diretor financeiro do Instituto de Relações Governamentais


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