Evoluímos na pesquisa
científica e no combate à mortalidade gerada pelas grandes epidemias, mas a
estrutura urbana continua precária. Esse é o diagnóstico do médico e diretor do
Centro de Referência de Doenças Imuno-infeccionas de Campos de Goytacazes, no
Rio de Janeiro, Luiz José de Souza.
A boa notícia é que, segundo
ele, a vacina contra o Zika vírus chegará ao País em dois ou três
anos. Professor de clínica médica na Faculdade de Medicina de Campos dos
Goytacazes e autor do livro “Dengue Zika e Chikungunya – Diagnóstico,
Tratamento e Prevenção”, ele acredita que o sorotipo três da dengue deve voltar
a atingir o Rio de Janeiro e que o vírus que transmite a Chikungunya, doença
aguda que causa dores severas nas articulações, deve continuar a circular pelo
País. “Ainda sofremos com a falta de planejamento urbano, deficiência da rede
de saneamento básico e o pior é que agora temos a presença dos três vírus
simultaneamente pelo País.” A seguir, a íntegra da entrevista.
ISTOÉ – O Brasil já enfrentou
epidemias de dengue, Zika vírus e Chikungunya. Qual a grande lição que esses
surtos deixaram ao País?
Luiz José de Souza – Enfrentar
essas epidemias mostrou que lidar com o vírus é muito complexo. Temos que
valorizar e entender as arboviroses. Em Minas Gerais, por exemplo, houve uma
demora da vigilância para combater a febre amarela. O aspecto mais importante é
a prevenção. O País tem que valorizar o trabalho de conscientização porque
temos uma infraestrutura muito precária. O Programa de Aceleração ao
Crescimento não evoluiu. Existe até hoje um crescimento desordenado da
população periférica ao mesmo tempo em que o sistema de saneamento é
deficiente. Contudo, a área educacional é nosso principal atraso. A saúde
depende de tudo isso. Como não há estrutura, ocorrem essas tragédias. Apesar
disso, o País enfrentou os surtos com muita eficiência. Fizemos diagnósticos
precoces do Zika vírus. Mas, a doença não acabou, pode retornar. O grande
problema é conviver simultaneamente com dengue, Zika e Chikungunya.
Há o risco de alguma dessas
epidemias voltarem a existir em algum Estado brasileiro?
A Chikungunya vai aparecer. É
uma doença grave que atinge as articulações e de certa forma mutila a
população. Ela provoca um alto índice de mortalidade em pacientes com doenças
crônicas e cardíacas. A dengue, por sua vez, também é grave e os quatro
sorotipos já estão circulando no Brasil. O que se espera para agora é o
sorotipo três, que depende basicamente da chuva e do calor. A dengue ressurge
após um longo período de tempo. Esse sorotipo apareceu no Rio de Janeiro entre
os anos de 2002 e 2007. As crianças que nasceram depois disso e os jovens estão
todos vulneráveis. É provável que ocorra uma grande epidemia no Rio. O Zika
também deve continuar em menores proporções do que as notificadas
anteriormente.
Como o senhor avalia a
evolução nos tratamentos contra as doenças causadas pelo vírus?
A vacina da dengue é
muito boa, mas ainda não chegou à rede pública, só na rede privada. Mas ainda
assim, não é possível combater o mosquito sem uma boa estrutura.
A vacina contra o Zika está a caminho, aprendemos muito a lidar com a
doença. Apesar das dificuldades, conseguimos crescer cientificamente, a aplicar
o protocolo e hoje a mortalidade já é menor do que no início dos surtos.
Conseguimos introduzir o protocolo de tratamento em todos os estados
brasileiros. A parte que ainda está atrasada é a política.
E em relação à eficácia
da vacina já existente? Para outras epidemias uma solução está a
caminho?
A vacina da dengue é
eficaz para pessoas de 9 a 45 anos, sendo que o número maior de pessoas
contaminadas pelo vírus é de 20 a 40 anos. A vacina é eficiente para
os quatro sorotipos e tem uma eficácia de 80%. Para os sorotipos três e quatro,
o índice de proteção é de 70%. Para o sorotipo um, a proteção é de 60% e no
caso do sorotipo dois, a proteção é de 50%. Para quem já teve dengue uma vez,
a vacina protege ainda mais. O entrave é que o País não tem condições
econômicas para introduzir a vacina na rede pública. Já a vacina contra
a febre amarela será aplicada para todas as pessoas que vivem na região sudeste
porque o mapa endêmico se ampliou. Não temos vacina para a
Chikungunya e contra o Zika vírus, deverá chegar em dois ou três anos.
Muitos estados sofrem com a
falta de médicos e profissionais de saúde para auxiliar no tratamento das
doenças causadas pelos vírus. Por que essa estrutura e tão precária?
O País piorou muito em termos
de assistência médica em função da crise que estamos vivendo. No Sistema Único
de Saúde (SUS), há uma hierarquia importante a ser seguida. A assistência
primária, o posto de saúde da periferia da cidade, é deficiente. Os hospitais
ambulatoriais fazem parte da atenção secundária e deveria dar apoio à primária
para fazer diagnósticos. Mas se considerarmos todos os estados do País, somente
em São Paulo e Curitiba a atenção secundária funciona bem. O custo do sistema
de saúde acaba sendo mais alto porque sobrecarrega as emergências.
O SUS vive uma crise que joga todos os pacientes para a assistência
terciária, que são as emergências. Se as primárias e secundárias não funcionam
é impossível fazer diagnóstica e não há resolutividade.
No caso das crianças com
microcefalia, por exemplo, a demanda por profissionais de saúde especializados
vai aumentar. Como o senhor vislumbra esse futuro próximo?
Se há dificuldade em prevenir
e tratar doenças simples, em doenças mais complexas o cenário é muito pior. O
tratamento adequado não está sendo feito.
Além da evolução médica, quais
os outros reflexos positivos das epidemias no Brasil?
A população aprendeu a ter
mais consciência, mas ainda não existe um trabalho de prevenção adequado. Não
se consegue impedir o nascimento do mosquito porque as condições são muito
precárias. Não se entra nas favelas para fazer um trabalho de prevenção.
Evoluímos na assistência e na pesquisa, agora o restante depende dos
governantes. Com todo o dinheiro retirado das propinas e da corrupção, teríamos
uma assistência de saúde maravilhosa. Usar militares para verificar condições
domésticas é válido no momento de emergência, mas o combate ao vetor deve
continuar. Isso tem de ser feito para evitar a proliferação do vetor. Com as
chuvas e o calor, deverão ocorrer alagamentos e assim o ciclo da proliferação
recomeça. Ainda sofremos com a falta de planejamento urbano, deficiência da
rede de saneamento básico e o pior: já temos no país os quatro sorotipos da
dengue.
Podemos voltar a viver um
cenário ainda preocupante de pessoas infectadas?
É o momento ideal para se
falar em prevenção. Acredito que o sorotipo três será a bola da vez no Rio de
Janeiro. E a Chikungunya também deve continuar circulando pelo País. Estamos
bem mais preparados, cerca de 80% mais do que antes. Mas para evitar a
mortalidade, ainda precisamos de treinamentos, recursos humanos e da presença
de estado e municípios nas regiões afetadas pelos surtos.
Fonte: IstoÉ
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