O israelense Yuval Harari
investiga a relação entre história e biologia, as diferenças essenciais entre o
ser humano e outros animais e o rumo da história humana
Os avanços em tecnologia,
genética e inteligência artificial podem transformar a desigualdade econômica
em desigualdade biológica? O autor e historiador Yuval Noah Harari se fez essa
pergunta.
Professor de História na
Universidade Hebraica de Jerusalém, ele estuda o passado para olhar para o
futuro. Autor de dois best-sellers, Sapiens: Uma breve história da
humanidade (editora L&PM)e Homo Deus: Uma breve história
do amanhã (editora Companhia das Letras), Harari foi entrevistado pelo
programa The Inquiry, da BBC, sobre a possibilidade de a tecnologia
alterar o mundo e a espécie humana.
Leia o depoimento do professor
à BBC:
"A desigualdade existe há
no mínimo 30 mil anos. Os caçadores-coletores eram mais igualitários do que as
sociedades subsequentes. Eles tinham poucas propriedades, e propriedade é um
pré-requisito para desigualdade de longo prazo. Mas até eles tinham hierarquias.
Nos séculos 19 e 20, porém,
algo mudou. Igualdade tornou-se um valor dominante na cultura humana em quase
todo o mundo. Por quê?
Foi em parte devido à ascensão
de novas ideologias como o humanismo, o liberalismo e o socialismo.
Mas também se tratava de
mudanças tecnológicas e econômicas - que estavam ligadas a essas novas
ideologias, claro.
De repente, a elite começou a
precisar de um grande número de pessoas saudáveis e educadas para servir como
soldados nos exércitos e como trabalhadores nas fábricas.
Os governos não forneciam
educação e vacinação porque eram bondosos. Eles precisavam que as massas fossem
úteis. Mas agora isso está mudando novamente.
Engenharia genética é hoje
disseminada. Até onde ela poderá evoluir?
Os melhores exércitos da
atualidade demandam poucos soldados, mas altamente treinados e com equipamentos
de alta tecnologia.
As fábricas também estão cada
vez mais automatizadas.
Esse é um dos motivos pelos
quais poderemos - num futuro não tão distante - ver a criação das sociedades
mais desiguais que já existiram na história humana. E há outros motivos para
temer esse futuro.
Com rápidos avanços em
biotecnologia e bioengenharia, nós podemos chegar a um ponto em que, pela
primeira vez na história, desigualdade econômica se torne desigualdade
biológica.
Até agora, humanos tinham
controle sobre o mundo ao seu redor. Eles podiam controlar rios, florestas,
animais e plantas. Mas eles tinham muito pouco controle do mundo dentro deles.
Eles tinham capacidade limitada
de manipular seus próprios corpos, cérebros e mentes.
Eles não podiam evitar a
morte. Talvez esse não seja sempre o caso.
Inteligência artificial está
sendo vista como uma ameaça a levas de empregos humanos
Há duas maneiras principais de
aprimorar humanos: ou você altera algo em sua estrutura biológica por meio de
alteração de seu DNA, ou - o jeito mais radical - você combina partes orgânicas
e inorgânicas, talvez conectando diretamente cérebros e computadores.
Os ricos - ao adquirir tais
melhorias biológicas - poderiam se tornar literalmente melhores que os demais:
mais inteligentes, saudáveis e com vidas mais longas.
Nesse ponto, será fácil que
essa classe "aprimorada" tenha poder. Pense desta forma: no passado,
a nobreza tentou convencer as massas que eles eram superiores a todos os outros
e que deveriam deter o poder. No futuro que estou descrevendo, eles realmente
serão superiores às massas.
E como eles serão melhores que
nós, fará mais sentido ceder a eles o poder e a prerrogativa de tomada de decisões.
Poderiam aqueles que controlam
dados e algoritmos tornar-se a superclasse do futuro?
Podemos também constatar que a
ascensão da inteligência artificial - e não apenas automação - pode significar
que grandes contingentes de pessoas, em todos os tipos de emprego, simplesmente
perderão sua utilidade econômica.
Os dois processos casados -
aprimoramento humano e ascensão de inteligência artificial - podem resultar na
separação da humanidade em uma pequena classe de super-humanos e uma gigantesca
subclasse de pessoas "inúteis".
Eis um exemplo concreto: pense
no mercado de transporte.
Há centenas de motoristas de
caminhões, táxis e ônibus no Reino Unido. Cada um deles comanda uma pequena
parte do mercado de transporte, e todos ganham poder político em função disso.
Eles podem se sindicalizar e, se o governo faz algo que não gostam, eles podem
fazer uma greve e travar todo o sistema.
Agora, avance 30 anos no
tempo. Todos os veículos conduzem a si próprios e uma corporação controla o
algoritmo que comanda todo o mercado de transporte.
Todo o poder econômico e
político previamente compartilhado por milhares agora está nas mãos de uma
única corporação.
Ricos, diz autor, poderiam adquirir melhorias biológicas e
se tornar literalmente melhores que os demais: mais inteligentes, saudáveis e
longevos
Depois que você perde sua
importância econômica, o Estado perde ao menos um pouco do incentivo de
investir em saúde, educação e bem-estar.
Seu futuro dependeria da boa
vontade de uma pequena elite.
Talvez haja boa vontade mas,
em tempo de de crise - como uma catástrofe climática -, seria muito fácil te
descartar.
Tecnologia não é determinista.
Ainda podemos fazer algo para lidar com tudo isso. Mas acho que deveríamos
estar cientes de que descrevo um futuro possível. Se não gostamos dessa
possibilidade, precisamos agir antes que seja tarde.
Existe mais um passo possível
no caminho rumo à desigualdade previamente inimaginável.
A curto prazo, a autoridade
pode se centrar em uma pequena elite que detenha e controle os algoritmos e os
dados que os alimentam. A longo prazo, porém, a autoridade poderá se transferir
completamente dos humanos aos algoritmos.
Quando uma inteligência
artificial for mais inteligente que nós, toda a humanidade poderá se tornar
inútil.
O que aconteceria depois
disso? Não temos nenhuma ideia - literalmente não podemos imaginar. Como
poderíamos? Estamos falando de uma inteligência muito maior do que a que a
humanidade possui."
Direito de imagem DIVULGAÇÃO,
GETTY IMAGES / BBC
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