Relatório do Instituto de
Psiquiatria da Universidade de São Paulo, entregue ao governador Gladson
Cameli, vai permitir que protocolos de atendimento na Saúde do Acre sejam
aperfeiçoados
Governador Gladson Cameli (ao
centro) recebeu técnicos do Ministério da Saúde, da Organização Panamericana de
Saúde e do Ministério Público do Estado do Acre, nesta quinta-feira Foto: Neto
Lucena/Secom
Estudo do Instituto de
Psiquiatria, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP), revela que a vacina contra o vírus HPV não foi a causa dos
problemas de saúde no Acre nas 86 jovens imunizadas que apresentaram
complicações com a vacina, no início deste ano no estado.
O documento, intitulado
‘Relatório Médico de Avaliação dos Casos de Notificação de Reação Adversa Grave
à Vacina contra o HPV no Estado do Acre’, foi entregue na tarde desta
quinta-feira, 28, ao governador Gladson Cameli e ao secretário de Saúde,
Alysson Bestene, pelo promotor Glaucio Oshiro, titular da Promotoria de Saúde
do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC).
Julio Croda, do Ministério da
Saúde, explica ao governador que jovens estão com doença psicogênica em
decorrência de um gatilho em massa de medo Foto: Neto Lucena/Secom
Oshiro havia aberto
investigação a pedido das mães das meninas, assim como também fez o próprio
governador, ao solicitar que o Ministério da Saúde (MS) elucidasse o problema.
No estudo foram avaliadas 74
garotas com sintomas que iam de dores de cabeça e dores nas pernas a febre,
desmaios e convulsões. Dessas, 16 casos foram observados pelos médicos por
quinze dias, com diversos exames específicos, incluindo a angiografia e os exames
cerebrais, sendo sete dias de monitoramento intensivo.
Equipe de Saúde esteve reunida
com o governador Gladson Cameli, com o secretário da Casa Civil, Ribamar
Trindade, com o secretário de Saúde, Alysson Bestene e com a primeira-dama, Ana
Paula Cameli Foto: Neto Lucena/Secom
O resultado mostrou que das 16
jovens, dez apresentaram crise psicogênica não-epilética, mais conhecida pela
sigla CNEP, um problema de origem psicológica muito parecido com uma crise
epiléptica, mas que não tem associação a descargas elétricas da epilepsia.
Esses dez pacientes não têm epilepsia, nem qualquer doença neurológica de
natureza orgânica (provocada por lesão ou alteração elétrica no sistema nervoso
central). Mas dois casos de irmãos foram diagnosticados com um tipo de
epilepsia de origem genética que costuma se manifestar na puberdade.
A estimativa dos médicos é a
de que 20% dos pacientes atendidos como epiléticos nas clínicas especializadas
têm crises psicogênicas não-epiléticas.
De acordo com o médico Júlio
Croda, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis da
Secretaria de Vigilância em Saúde do MS, que também esteve na reunião com
Cameli nesta quinta, “a situação é muito complexa”, porque o problema afetou a
confiabilidade na vacina de boa parte dos pais das crianças e adolescentes do
estado.
“Não vamos conseguir resolver
facilmente [a recuperação da confiança na vacina]”, diz ele. “É uma
desinformação muito grande e esses movimentos já ocorreram em outros lugares,
como na Colômbia, por exemplo, que acabou impactando na cobertura vacinal no
Chile”, destaca o especialista.
‘Gatilho de medo’ teria
desencadeado problemas
Para Lely Gusman,
representante da Organização Pan-Americana de Saúde, duas das estratégias
mundiais mais eficazes contra doenças são justamente ter o hábito de lavar as
mãos e a vacinação. De naturalidade colombiana, ela diz que o Acre viveu mais
ou menos o que a cidade de Carmen de Bolívar, na Colômbia, passou há pouco
tempo. “Lá, não foi nada fácil contornar essa situação, mas conseguimos”.
Um dos entraves, conforme
Julio Croda, é que “a população, e até os profissionais de saúde, desconhecem
totalmente o assunto, sendo que alguns deles se aproveitam disso [para
disseminar informações falsas ou preconceituosas]”.
Representantes da Organização
Mundial da Saúde em conversa com a primeira-dama Ana Paula Cameli (Foto: Neto
Lucena/Seccom)
“As meninas do Acre têm uma
doença e isso é inegável, mas é algo de origem psicogênica e para que isso
acontecesse, houve um ‘gatilho’. Um evento de massa pode disparar esse gatilho
[que é o medo da vacina] e que pode se perpetuar, inclusive, quando o
profissional de saúde também não ajuda, reafirmando que o jovem não está
doente”, explica o especialista do Ministério da Saúde.
Em outras palavras, segundo
Croda, as meninas precisam de um tratamento psicológico-social e não de
medicamentos anticonvulsões, porque os exames mostram que elas não têm
epilepsia orgânica. “Se tivessem [epilepsia], o medicamento para o problema
surtiria o efeito, algo que não acontece”.
Amparo às adolescentes vítimas
e reforço na comunicação
O governador Gladson Cameli
autorizou que o secretário de Saúde, Alysson Bestene, proceda com todos os
protocolos recomendados pelos técnicos do Ministério da Saúde e do MPAC, após o
relatório da USP.
Entre eles está a assistência
às jovens vítimas da crise CNEP, e de uma ampla campanha de comunicação para
combater a desinformação das pessoas.
Governador Gladson Cameli com
Julio Croda, do Ministério da Saúde (Foto: Neto Lucena/Secom)
“Estaremos promovendo todos os
esforços para amparar essas jovens e também capacitando os nossos
profissionais. Embora tudo se politize no Acre, o nosso governo se preocupou e
se solidarizou com as famílias, logo após os primeiros casos, inclusive
trazendo uma profissional médica para o estado”, ressaltou o governador.
As crises psicogênicas não são
mentirosas. Elas são reais e o objetivo é reorganizar o protocolo, revisando o
atendimento e preparando os profissionais que não estão prontos para atender a
esse tipo de situação, incluindo os médicos. O entendimento é o de que é
preciso acolher e acalmar as crianças e adolescentes e suas famílias.
Segundo Maria Tereza Costa,
representante da Organização Mundial de Saúde em Washington, em média 35
milhões de mulheres morrem no continente americano por ano, vítima de câncer no
útero. “E a vacina veio para eliminar essa doença nefasta, uma vacina altamente
eficaz e segura e que pela repercussão que teve no Acre, passou a ser
instrumento importante de esclarecimento nas américas e no mundo”, assevera
ela.
Doença tem cunho emocional e
reação é automática
Coordenador do projeto de
neuropsiquiatria do instituto que realizou os estudos, o psiquiatra Renato Luiz
Marchetti, lembra em reportagem publicada no Jornal da USP que “a doença está
associada a estresse emocional, que desencadeia uma reação psicológica
automática do sistema nervoso”.
De acordo com o cientista,
além do medo de tomar a vacina, situações como membros desempregados na
família, pais ausentes na criação dos filhos e até participação de movimentos
contra a vacina, aliadas a hostilização de profissionais de saúde que não
conseguiram diagnosticar o problema podem desencadear a doença.
Governador Gladson Cameli
recebeu equipe do Ministério da Saúde (Foto: Neto Lucena/Secom)
Há casos, por exemplo, de
epidemias de doença psicogênica após o ataque às torres gêmeas, os Estados
Unidos, em 2001, quando as pessoas acreditavam estar doentes pela contaminação
por antraz ou gás sarin.
MS cobrará de Conselhos de
Medicina sanções contra profissionais equivocados
A assessoria jurídica do
Ministério da Saúde estará acionando os Conselhos Regionais de Medicina para
que imponham sanções contra profissionais de saúde que venham a difundir
informações inverídicas.
Este seria o caso de uma
médica convidada a participar de audiência na Comissão de Saúde, da Assembleia
Legislativa do Estado do Acre. Segundo o MPAC, ela não teria encontrado
respaldo científico para afirmar que a vacina é prejudicial.
Governador Gladson Cameli posa
para a foto com técnicos do Ministério da Saúde, com a procuradora-geral do
MPAC, Katia Rejane Araújo, com o promotor Glaucio Oshiro e com representantes
da Organização Mundial de Saúde Foto: Neto Lucena/Secom
“Essas pessoas devem ter em
mente que esse tipo de comportamento que é político e não científico,
compromete a imunização das pessoas e pode causar prejuízos irreparáveis às
famílias, que ficam desprotegidas. Não podemos permitir um recrudescimento do
câncer e de outras doenças cuja proteção se dá por vacinas à custa da
irresponsabilidade de profissionais desinformados”, diz Maria Tereza Costa.
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