O Brasil tem
profissionais qualificados, infraestrutura e motivação econômica e social para
dar suporte à criação de empresas inovadoras na área da Saúde. Mas, para isso,
precisa contar com o aporte de recursos feito por governos, filantropos e
grandes empresas.
A análise foi feita pelo
químico Raymond Schinazi, professor da Emory University, dos Estados Unidos,
durante o simpósio Innovation in Drug Discovery and Development 2019, realizado
no dia 14 de maio no Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FM-USP). O cientista
é conhecido pela contribuição para o desenvolvimento de fármacos contra o HIV,
vírus causador da Aids, contra as hepatites B e C e pela criação de empresas
farmacêuticas.
“Vocês têm grandes
cientistas, grandes mentes e bastante motivação, não só financeira, mas também
para fazer o bem público. Vi os hospitais que criaram, os laboratórios, os
equipamentos nos quais investiram. Acredito que seu país, a despeito da
situação econômica atual, vai se recuperar e se tornar muito bem-sucedido”,
disse Schinazi à Agência FAPESP.
O simpósio Innovation in
Drug Discovery and Development e a vinda do pesquisador ao Brasil integram o
projeto “Discussion
of research projects involving chronic Hepatitis B and C antiviral treatment”,
apoiado pela FAPESP e pela Emory University no âmbito do programa São Paulo
Researchers in International Collaboration (SPRINT).
Schinazi se tornou
célebre com a criação de drogas análogas de nucleosídeos e nucleotídeos,
enzimas que fazem parte do DNA e do RNA. As versões sintéticas dessas enzimas
são modificadas de forma a fazer os vírus pararem de se replicar. Dois
compostos criados pelo pesquisador, o 3TC (também usado no tratamento da
hepatite B) e o FTC, estão presentes em algumas das principais drogas contra o
vírus do HIV, como Combivir, Trizivir, Truvada e Atripla.
“Schinazi é um dos
maiores exemplos de inovação e resolvemos trazê-lo para incentivar as várias
pessoas que trabalham aqui”, disse Suzane Kioko
Ono, professora da FM-USP e coordenadora do evento. Ela é parceira de
Schinazi no desenvolvimento de drogas para a hepatite B, doença que acomete 257
milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS).
A pesquisadora integra o
Centro de Inovação Tecnológica (Citic) do Instituto Central do Hospital das
Clínicas, que busca implementar parcerias com o setor privado, atrair
investidores e estimular o empreendedorismo para o desenvolvimento de produtos
inovadores e sistemas de base tecnológica na área da Saúde.
Ono explicou que, no
Brasil, as parcerias com o setor privado podem ser pensadas desde o início de
um projeto, envolvendo desde a doação de reagentes até a utilização de
laboratórios em comum, tanto na academia quanto na indústria.
“No caso específico da hepatite
B, uma vez identificado um composto que é um potencial antiviral, após os
estudos in vitro e em animais comprovarem que é seguro e pode
ser testado em estudos clínicos, a parceria com a indústria farmacêutica se
mostra importante para a realização de estudos com voluntários até a aprovação
final”, explicou.
Descoberta de novas drogas
A parceria universidade e
empresas para o desenvolvimento de produtos inovadores tem conhecido avanços.
O Centro
de Excelência para Descoberta de Alvos Moleculares (CENTD), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela
FAPESP e a GlaxoSmithKlein (GSK), com sede no Instituto Butantan, tem como
objetivo identificar alvos moleculares e vias de sinalização envolvidas em
doenças de base inflamatória.
Ana Marisa
Chudzinski-Tavassi, coordenadora do CENTD,
apresentou no simpósio as linhas de pesquisa desenvolvidas e seu modelo de
financiamento.
“Nossa estratégia é o uso
de venenos e secreções de animais como uma ferramenta para a descoberta de
novos alvos moleculares. São substâncias muito interessantes, bastante complexas,
e podemos encontrar nelas proteínas, inibidores, entre outros, especializados
em alvos específicos. São vários sistemas fisiológicos em que esses venenos
podem ser aplicados, como o de coagulação, sistema imunológico, reações locais,
e trabalhamos com todos eles”, disse.
Nos Estados Unidos, o
desenvolvimento de projetos de pesquisa em parceria envolve, além de empresas,
também a filantropia, disse Schinazi. Segundo ele, esse modelo poderia ser mais
aplicado no Brasil.
“A filantropia é
extremamente importante. Há pessoas muito ricas no Brasil e elas certamente
gostariam de ver seu dinheiro ir mais longe. Visitei o Hospital Albert Einstein
e notei que os equipamentos e laboratórios são melhores do que os encontrados
em alguns laboratórios norte-americanos, tudo graças a doações de famílias
ricas”, disse.
No entanto, para o
pesquisador, o financiamento público continua sendo fundamental para manter a
pesquisa e o desenvolvimento de um país.
“Temos nos Estados Unidos
o National Institutes of Health [NIH], que gasta bilhões de dólares em pesquisa
todo ano. Acho que é fantástico o que o país fez e isso deve ser modelo”,
disse. Em 2019, o NIH teve um acréscimo de US$ 2 bilhões ao seu orçamento,
totalizando US$ 39,1 bilhões para serem gastos esse ano.
Também participaram do
Simpósio Ricardo di Lazzaro e Pedro Henrique Camargo Penna, cofundadores da
startup de saúde NAIAD; Dan Salazar, cientista-chefe da farmacêutica EMS; e
Jaime Rabi, diretor da Microbiológica Química e Farmacêutica.
“Esse encontro foi o
pontapé inicial, esperamos continuar esse diálogo para em breve trazer mais
resultados”, disse Ono.
FAPESP
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