O Sechat apresenta agora uma
entrevista exclusiva com o diretor da Anvisa Renato Porto sobre a atual
situação da cannabis medicinal no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância
Sanitária é um organismo do governo federal diretamente ligado ao tema. Ela tem
o poder por exemplo de permitir a regulamentação do cultivo da planta da
maconha para fins terapêuticos e de pesquisa científica.
Ao Sechat, Renato Porto
afirmou que em 2019 essa liberação deverá ocorrer. Trata-se de uma notícia de
peso para o segmento econômico da cannabis, que cresce em ritmo acelerado em
todo o mundo. Renato Porto faz parte de um colegiado na agência, composto por
outros 4 diretores. Atualmente, apenas 4 cadeiras estão ocupadas. O quinto
integrante será nomeado. Porto é cientista jurídico e está na Anvisa desde
2005. É diretor desde 2013.
Sechat: Renato Porto, gostaríamos
de saber como está a posição da Anvisa neste momento sobre a questão do cultivo
para pesquisa e tratamento de saúde. Quais são os próximos passos além das
liberações individuais de medicamentos importados?
Renato Porto: Primeiro,
acho que já há uma base de estudos e vou só reconfirmar que a Anvisa só trata
dos produtos que tratam da saúde. É esse o nosso objeto de avaliação. Gostaria
de deixar bem claro também que nós não tratamos de nenhuma opção legislativa –
se descriminaliza ou se não descriminaliza a maconha em si. Dito isso, devo
lembrar que nós começamos em 2013 e 2014 com esse assunto e fizemos uma
discussão relativa a proibição ou não do canabidiol.
O canabidiol é um ativo de uma
planta que tem mais de 480 ativos. Então a cannabis é realmente uma planta
diferenciada, vamos dizer assim. Ela não é uma planta comum. Por isso que o
mundo inteiro estuda ela há muito tempo. Bom, a partir disso nós chegamos a uma
conclusão de que esse produto não deveria ser proibido no Brasil, porque até
então ele estava proibido.
Então em 2014, nós retiramos
ele da lista de proibição da Portaria 344 que é uma portaria que avalia drogas,
substâncias controladas e tudo mais. Então a gente tirou. E partir daí todo
cidadão brasileiro pode comprar medicamentos com canabidiol, mas não fabricados
no Brasil – que é uma deficiência que a gente quer tratar. Ou seja, quem
tiver a indicação pode importar esse produto. Portanto ele, paciente, não
estaria mais desassistido. Então o caminho foi o seguinte: Como é que eu dou assistência
para pessoas que querem importar esse produto? Querem ter acesso a esse produto
que a ciência já indica, por vários estudos e que a Organização Mundial da
Saúde (OMS) já classifica esse produto como possibilidade de terapia, se não me
engano, para mais de 39 doenças. Então, a gente não poderia negligenciar esse
produto. Então hoje os pacientes no Brasil estão assistidos por um processo
controlado onde nós damos aprovação para os produtos que contém substância
dessa planta.
Sechat: Foi assim no resto do
mundo?
Renato Porto: É assim no
mundo inteiro. É assim em vários países do mundo que controlam. Então a
Alemanha controla todos que estão usando. Os EUA menos, mas também controlam...
E hoje aqui no Brasil já temos
algo em torno de 4 e 5 mil, eu diria... vai chegar a 5 mil este ano o
número de autorizações...
Sechat: Aumentou
bastante, não? A última informação que tínhamos é de que eram em torno de 2
mil.
Renato Porto: Aumentou de
fato. Esse ano aumentou. O que não é ruim. Algumas pessoas entendem como algo
ruim. Mas não é. É uma prova de que a Anvisa está funcionando.
Sechat: Então tem uma
evolução clara?
Renato Porto: Sem dúvida.
Todo o caminho regulatório inovador, que rompe algumas fronteiras, começa com
um processo mais controlado. Depois que é que se chega a liberação do produto,
mas antes é preciso controlá-lo. Entender os efeitos, entender se as pessoas
estão usando corretamente. Como é que eu coloco uma nova tecnologia liberada para
o consumidor sem ter estudo, controle. Então isso gera dados, informação. Para
quê? Quais medicamentos estão sendo mais usados? A Anvisa está atenta e usando
de todos os seus meios para dar acesso aos brasileiros esse tipo de
produto. Qual seria a outra fronteira? A gente está para fabricar
esse produto.
Sechat: É esse o ponto.
Por que não liberar a fabricação no Brasil? É essa a pergunta que as famílias
que usam o canabidiol me fazem.
Renato Porto: Bom agora eu
queria dar a minha opinião. Não é a do colegiado. Nós conversamos muito, claro,
até porque esse é um assunto denso e sensível. Então é a minha visão. O que
temos discutido? É como vamos romper essa segunda barreira. Que é a barreira da
produção para pesquisa. As pessoas podem produzir para fazer medicamentos?
Essas são questões que já apareceram para nós. Então quando eu disser que
pode produzir, pode produzir para quê? Ah... para fabricar no Brasil. Mas não
tem ninguém hoje querendo fabricar no Brasil, então eu posso deixar a planta
ser feita aqui e para poder exportar? Talvez não a planta, mas o extrato, ou um
insumo?
Sechat: Israel produz a
planta e vende para fora e numa quantidade grande hoje.
Renato Porto: Exatamente,
então o que estamos fazendo neste momento é isso. Estamos estudando os modelos
do mundo para saber como vamos caminhar com segurança para a população
brasileira. Porque sabemos que esse país vai produzir e pode produzir em larga
escala. A nossa terra é abençoada. Com muito sol, muita chuva, diferente de uma
Inglaterra. E estamos estudando os modelos de controle disso. Como controlamos
isso?
Sechat: Isso ficaria no
escopo da Anvisa?
Renato Porto: Se for para
produzir medicamentos, sim.
Sechat: Você acha que
esse ano a Anvisa pode ter uma definição disso? Em 2019?
Renato Porto: Acho. Eu
acho. Estamos estudando. São muitas variáveis, a pauta é difícil, mas são
variáveis que atrapalharam. Essa pauta da legalização recreativa, por exemplo.
Quando você confunde o tratamento com descriminalização isso atrapalha.
Então, o que estamos fazendo
hoje é fazer um levantamento nacional e internacional, entendo as nossas
capacidades e nossas deficiências e vendo as experiências internacionais. Temos
um time que acabou de voltar de Portugal que está entendendo o modelo. Já fomos
no Canadá e entendemos o de lá. Tudo isso para ver como se aplicar no Brasil.
Sechat: Como você
vê a chegada das grandes farmacêuticas nesse mercado?
Renato Porto: Eu acho que
é um movimento natural, estamos vendo no mundo cannabis conjugada com
alimentos, com várias utilidades. É um conjunto que está desafiando o Brasil.
Nós somos um país que nem sempre anda na frente. Mas temos tecnologias
avançadas, como petróleo, aeronáutica. Mas na farmácia não somos vanguarda.
Fazemos bem medicamentos, uma indústria forte e ativa, mas não temos uma
indústria de inovação nessa área. Então eu acho que esse movimento é natural.
Mas pode ajudar em fiscalização você ter grandes indústrias atuando, ou seja,
ao invés de fiscalizar 1000 empresas eu fiscalizo 100. Ter padrão, padrão de
controle facilita num processo com menos agentes. Apesar de que nem para tudo é
preciso o padrão rigoroso. Importante dizer isso, tem que ter cuidado para não
impedir avanços. Mas eu acho que essa conta é mais econômica é do mercado
que uma hora vai se estabilizar. O que precisa é a pauta andar sem
viés cientifico, sem viés técnico. E com tudo isso em mãos não tem
porque não andar.
Fonte:sechat.com.br
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