Há
milhares de pacientes legítimos que encontram no acionamento do Judiciário a
sua única arma na luta pela sobrevivência
Por Rosangela Moro*
*Rosangela
Moro é advogada especializada em doenças raras e sócia do Wolff Moro Advocacia
A
judicialização é hoje uma questão que merece uma importante reflexão do ponto
de vista jurídico e da saúde pública. Segundo dados do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), o número de ações judiciais nessa área aumentou 130% entre 2008
e 2017. Os pedidos, na maior parte, são relacionados a medicamentos,
procedimentos de alta complexidade e leitos em hospitais, tanto para o Sistema
Único de Saúde (SUS) como para as operadoras de planos de saúde. Por isso, é
muito bem-vinda a notícia de que o presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Dias Toffoli, se reuniu com governadores para discutir a questão da
judicialização na saúde.
(Creatas
RF/Getty Images)
Governadores
disseram que, no ano passado, a judicialização gerou custos de 17 bilhões de
reais aos cofres estaduais. O valor é muito alto e poderia ter sido usado para
viabilizar melhorias no atendimento e assistência à saúde da população. Há
dentro desse montante de processos e ações uma parcela de casos fúteis, que
emperram o sistema judiciário e banalizam o instrumento jurídico. Por outro
lado, há milhares de pacientes legítimos que encontram na judicialização a sua
única arma na luta pela sobrevivência. Os pacientes com doenças raras estão
justamente nessa posição.
Uma
proposta que está sendo avaliada para ajudar a desonerar os cofres estaduais
consiste em estabelecer parâmetros em que a judicialização só seria avaliada
pelo poder público se o tratamento em questão estivesse disponível no SUS.
"É fundamental que
o STF enxergue que o parâmetro de considerar passível de judicialização apenas
tratamentos disponíveis no SUS não atenderá todos os pacientes. Caso contrário,
será uma sentença de morte para os portadores de doenças raras."
As
doenças raras reúnem diversas enfermidades cuja única similaridade em muitos
casos é o fato de impactarem um número pequeno de pessoas. Para ser denominada
“rara”, a doença deve afetar até 65 pessoas a cada 100.000 indivíduos, ou 1,3
pessoas para cada 2.000 indivíduos. A vasta maioria é causada por fatores
genéticos, de difícil tratamento, envolvendo tecnologia inovadora e, ao mesmo
tempo, debilitadora em seu custo e acesso. Os tratamentos da doença rara são
muito caros, seja pelo alto custo de pesquisa e desenvolvimento, seja pelo fato
de ter uma população muito pequena que fará uso do medicamento. O resultado
dessa combinação alto custo e baixo público é a impossibilidade de uma pessoa
comum arcar com custos elevadíssimos para o resto da vida.
Para
um medicamento ser incorporado ao SUS, há uma série de critérios que o governo
federal leva em conta, como o custo e o total de pessoas que vão se beneficiar
desse tratamento. Para as doenças raras, essa conta nunca fechará. Ou seja,
esses tratamentos jamais serão incorporados aos SUS. E, se a regra em discussão
no STF for acatada, esses medicamentos não serão mais passíveis de
judicialização. Como ficam os pacientes que sofrem com essas doenças raras? Uma
política pública que absorva a compra e distribuição de medicamentos para as
doenças raras esbarra na diversidade de cada enfermidade, o que torna essa ação
muito complexa. Muitos dos tratamentos, por serem indicados para um número
bastante pequeno de pessoas, não têm pedido de registro na Anvisa. Outros têm
pedidos em tramitação, aguardando avaliação, sem data a ser definida. Sem
registro, não podem entrar para o SUS. E, novamente, o paciente com doença rara
ficará desassistido.
A
judicialização na saúde será discutida no próximo dia 22 de maio por conta da
pauta do STF, que votará em recursos relacionados ao tema, que têm o potencial
de impactar mais de 26.500 ações em andamento. É fundamental que o STF enxergue
que existem diversos casos contemplados embaixo do guarda-chuva da
judicialização. E que o parâmetro de considerar passível de judicialização
apenas tratamentos disponíveis no SUS não atenderá todos os pacientes. Caso
contrário, será uma sentença de morte para os portadores de doenças raras.
Fonte: https://complemento.veja.abril.com.br
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