Um novorelatório conjunto da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe(CEPAL) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) indica que
somente se a curva de contágio da pandemia de COVID-19 for achatada, as
economias da região poderão ser retomadas. O relatório propõe uma abordagem com
três fases que incluem a adoção de políticas de saúde, econômicas, sociais e
produtivas destinadas a controlar e mitigar os efeitos da pandemia, reativar
com proteção e reconstruir de maneira sustentável e inclusiva.
Alguns países têm levado a
região a se tornar no atual epicentro da pandemia, encabeçando as estatísticas
de casos mundiais. Em 29 de julho, foram registrados mais de 4,5 milhões de
casos de COVID-19 e quase 190 mil mortes na América Latina e no Caribe. Um
número significativo de países está longe de alcançar um achatamento sustentado
e significativo da curva de contágio. No nível social e econômico, a pandemia
desencadeou uma inédita crise econômica e social, e, se medidas urgentes não
forem tomadas, poderá se transformar em uma crise alimentar e humanitária.
Segundo o relatório
intitulado Saúde
e economia: uma convergência necessária para enfrentar a COVID-19 e retomar o
caminho para o desenvolvimento sustentável na América Latina e no Caribe, a
pandemia tem afetado profundamente não apenas a vida diária das pessoas na
região, mas também, seus meios de subsistência.
De forma imediata, a pandemia
provocou a recessão mais abrupta da história que, de acordo com as projeções da
CEPAL, implicará uma queda do crescimento regional de -9,1% em 2020,
acompanhada de um aumento do desemprego atingindo uma taxa de cerca de 13,5%,
um aumento da taxa de pobreza de 7,0 pontos percentuais para alcançar, 37,3% da
população e um aumento da desigualdade com um aumento médio no índice de Gini
de 4,9 pontos percentuais.
Por sua vez, os sistemas de
saúde dos países da região, que já estavam subfinanciados e fragmentados antes
da chegada da COVID-19, enfrentam a resposta à pandemia com fragilidades no
exercício da função de direcionamento das autoridades de saúde. O gasto público
em saúde alcança apenas em média, 3,7% do PIB, abaixo de 6% recomendado pela
OPAS como base. Uma terça parte da população ainda enfrenta algum tipo de
barreira para acessar os serviços de saúde de que necessita.
De acordo com o relatório
divulgado nesta quarta-feira (30) em uma coletiva de imprensa conjunta liderada
por Alicia Bárcena, secretária-executiva da CEPAL e Carissa F. Etienne,
diretora da OPAS, os altos graus de desigualdade acompanhados por elevados
níveis de pobreza, informalidade, desproteção social e limitado acesso à saúde oportuna
e de qualidade, explicam os altos custos sociais que a pandemia está tendo na
região.
Na dinâmica do contágio,
também influem o alto grau de urbanização e metropolização - mais de um terço
da população vive em cidades de um milhão ou mais habitantes - e pelos déficits
acumulados nas cidades em termos de confinamento, falta de serviços de água e
saneamento, e transporte público lotado. E além do comprometimento e dedicação
do pessoal de saúde, as fragilidades históricas do sistema público de saúde, também
contribuíram para a vulnerabilidade da região.
O relatório afirma que a
matriz da desigualdade na região coloca certos grupos em uma situação especial
de vulnerabilidade, entre os quais os idosos (85 milhões), trabalhadores
informais (54% do emprego regional), mulheres (a maioria em atividades
informais, com aumento do trabalho não remunerado e maior exposição à
violência doméstica), povos indígenas (60 milhões de pessoas e com comunidades
que podem desaparecer), pessoas afrodescendentes (130 milhões de pessoas em
2015), pessoas com deficiência (70 milhões de pessoas) e migrantes. Todos esses
grupos necessitam de uma atenção especial que atenue suas condições especiais
de vulnerabilidade.
Em termos de saúde, as
famílias financiam mais de um terço dos gastos com atenção à saúde com
pagamentos diretos do próprio bolso, cerca de 95 milhões de pessoas devem
enfrentar gastos catastróficos em saúde e quase 12 milhões ficam empobrecidas
devido a esses gastos. A disponibilidade média de médicos e de leitos hospitalares
não chega nem à metade daquela que tem os países mais desenvolvidos, como os da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que
representa importantes barreiras de acesso. Por outro lado, e devido à
pandemia, o atendimento a outras doenças foi adiado ou interrompido, o que
começa a refletir em um excesso de mortalidade que indica os efeitos profundos
do deslocamento tanto da oferta como da demanda de serviços.
Controle, retomada e
reconstrução
Para enfrentar a pandemia e seus
efeitos a curto e longo prazo, a CEPAL e a OPAS propõem um conjunto de
princípios de ação e políticas, e uma ampla gama de medidas de saúde, sociais e
econômicas a serem implantadas em três fases não lineares e inter-relacionadas:
controle, retomada e reconstrução.
Três mensagens articulam as
medidas propostas pelas duas organizações para enfrentar a pandemia: Não há
abertura econômica possível sem que a curva de contágio tenha sido controlada,
e não há retomada possível sem um plano claro para evitar o aumento do
contágio; as medidas sanitárias direcionadas para controlar a pandemia (entre
elas a quarentena e o distanciamento social) devem ser implementadas de forma
articulada com as medidas sociais e econômicas destinadas a atenuar os efeitos
da crise, uma vez que essas últimas facilitam o cumprimento das medidas
sanitárias; e reconstruir melhor implica promover o desenvolvimento sustentável
e inclusivo com a igualdade no centro, avançando na transformação produtiva e
na criação de um estado de bem-estar.
“Avançar na igualdade é
fundamental para o controle eficaz da pandemia e para uma recuperação econômica
sustentável na América Latina e no Caribe. Devemos atender à emergência e
implementar uma estratégia para superar as debilidades estruturais das economias
e sociedades. Por esse motivo, mudar a estratégia de desenvolvimento é
essencial na região”, afirmou Alicia Bárcena, secretária-executiva da CEPAL.
“Enfrentamos um desafio sem
precedentes, que requer sistemas de saúde sólidos e bem financiados para
superar essa crise e, assim, poder se recuperar. Investir em saúde pública até
alcançar pelo menos 6% do PIB, com ênfase particular na atenção primária à
saúde, é proteger as realizações alcançadas na saúde, mas também, assegurar o
desenvolvimento sustentável e enfrentar a crescente pobreza e as desigualdades
na região”, considerou Carissa F. Etienne, diretora da OPAS. “A saúde
é um direito humano fundamental e o acesso deve ser universal, sem deixar
ninguém para trás. A saúde de nossas comunidades, mas também de nossas
economias depende disso”, acrescentou.
Finalmente, o relatório indica
que a lista de medidas sugeridas por ambas organizações repousa na necessidade
de articular as políticas de saúde com as econômicas, sociais e produtivas.
Entre elas, se destacam os testes, o seguimento de contatos e medidas de
saúde pública como quarentenas ou de distanciamento social, e o fortalecimento
dos sistemas de saúde, com um enfoque na atenção primária à saúde e garantindo
o cumprimento das funções essenciais de saúde pública.
Essas medidas deveriam ser
acompanhadas pelas políticas de Renda Básica de Emergência (IBE), do Bônus
contra a Fome e da proteção do setor produtivo, que apoiam as medidas de saúde.
Juntamente com essas medidas imediatas, é delineado um conjunto de abordagens
estratégicas para a reconstrução com o reconhecimento da saúde como direito
humano e bem público garantido pelo Estado, o fortalecimento da saúde pública,
a consolidação de sistemas de proteção social universais e integrais, a implementação
de uma política fiscal progressiva e um gasto público suficiente, eficiente,
efetivo e equitativo, aceleração na transformação digital, a redução da
dependência regional de produtos médicos importados e mudanças na matriz
produtiva, juntamente com um impulso no investimento verde.
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