Canabidiol diminui
agressividade, conclui estudo
Pesquisa com camundongos,
feita na USP em Ribeirão Preto, mostra que substância reduz comportamento
agressivo induzido pelo isolamento social (imagem: P. G. Jones, L. Falvello, O.
Kennard, G. M. Sheldrick e R. Mechoulam / Wikipedia e Geralt / Pixabay)
22 de julho de 2019
Peter Moon | Agência FAPESP –
Um novo estudo concluiu que o canabidiol contribui para diminuir a
agressividade induzida pelo isolamento social. O trabalho foi feito em
camundongos por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Resultados foram publicados na revista
Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry.
“Nosso estudo demonstra que o
canabidiol tem efeito na redução da agressividade e que a substância realiza o
papel de inibidor da agressividade devido ao fato de facilitar a ativação de
dois receptores: o receptor 5-HT1A, responsável pelos efeitos do
neurotransmissor serotonina, e o receptor CB1, responsável pelos efeitos de
endocanabinoides”, disse Francisco Silveira Guimarães, professor titular da
FMRP-USP e líder do estudo.
Apesar de extraído da maconha,
Guimarães ressalta que o canabidiol não produz dependência nem efeitos
psicotomiméticos. Na maconha, a substância responsável por isso é o
tetraidrocanabinol (THC), enquanto que com o canabidiol ocorre o oposto: ele
exerce ação bloqueadora sobre alguns efeitos do THC.
“Nos últimos 20 anos, o
canabidiol tem sido estudado em diversos contextos, porém são poucos os estudos
que investigaram seus efeitos em comportamentos agressivos”, disse Guimarães.
O novo estudo também contou
com cientistas do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Neurociência Aplicada da USP e
foi feito no âmbito do Projeto Temático “Novas perspectivas no emprego de
fármacos que modificam neurotransmissores atípicos no tratamento de transtornos
neuropsiquiátricos”, com apoio da FAPESP – a pesquisa também tem apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Guimarães conta que a agressão
induzida pelo isolamento é um modelo comportamental clássico usado em
experimentos. “A agressão induzida pelo isolamento pode ser atenuada por meio
da administração de drogas ansiolíticas, antidepressivas ou antipsicóticas.
Como alguns resultados pré-clínicos e clínicos indicam que o canabidiol possui
tais propriedades, decidimos testar seu efeito sobre a agressividade induzida”,
disse Guimarães.
“Usamos um modelo chamado de
residente-intruso, condição que induz agressividade em animais em decorrência
do seu isolamento por vários dias”, disse Guimarães.
Com o objetivo de verificar se
o canabidiol exerceria alguma ação capaz de alterar o comportamento agressivo
apresentado por roedores no modelo residente-intruso, os pesquisadores
injetaram diferentes dosagens de canabidiol em quatro grupos distintos de
animais, compostos por seis a oito roedores machos.
Em um quinto grupo, que serviu
de controle, os roedores não receberam canabidiol, apresentando o comportamento
clássico do modelo residente-intruso. Os primeiros ataques por parte dos
camundongos residentes contra os invasores ocorreram, em média, 2 minutos após
um ser colocado em frente a outro. Foram contabilizados entre 20 e 25 ataques
enquanto os animais permaneceram reunidos.
Com relação aos animais que
receberam canabidiol, no primeiro grupo os camundongos residentes receberam uma
dose de 5 miligramas da substância por quilo (cada camundongo macho pesava
entre 30 e 40 gramas).
Nesse grupo, o primeiro ataque
ocorreu cerca de 4 minutos após a introdução do camundongo invasor na gaiola,
ou seja, o dobro do tempo quando comparado ao animal que não recebeu
canabidiol. Quanto ao número de ataques, esse caiu pela metade.
Um segundo grupo, no qual os
camundongos receberam cerca de 15 miligramas de canabidiol por quilo, a
inibição da agressividade foi a mais pronunciada do experimento. Em média, os
primeiros ataques só ocorreram por volta de 11 minutos após a introdução do
residente na gaiola. Já o número de ataques também foi o menor verificado, com
cerca de cinco ataques, em média, por gaiola.
No terceiro e quarto grupos
foram injetadas doses de 30 e de 60 miligramas por quilo, respectivamente, mas
tais aumentos na quantidade de canabidiol não se traduziram em maior inibição
da agressividade dos animais. Ao contrário, os primeiros ataques se deram em
menos tempo do que nos animais que receberam doses de 15 miligramas por quilo.
Da mesma forma, o número de ataques também foi ligeiramente maior.
“Esse resultado da redução do
efeito do canabidiol em dosagens maiores já era esperado. Em outros
experimentos, como por exemplo para testar o potencial antidepressivo do
canabidiol, após um ganho inicial, dosagens maiores levaram a efeitos menores.
Em nosso experimento, caso tivéssemos testado um grupo de camundongos com a
dosagem de 120 miligramas por quilo, possivelmente não obteríamos inibição
alguma na agressividade dos camundongos residentes”, disse Guimarães.
Bloqueando o efeito
Sabendo que o canabidiol
facilita a ativação de um receptor do neurotransmissor serotonina denominado
5-HT1A, os cientistas repetiram o modelo residente-intruso na segunda etapa dos
experimentos, só que dessa vez injetando nos camundongos doses variadas de uma
substância chamada WAY100635, que atua no organismo como antagonista do
receptor 5-HT1A.
O teste procurou verificar se
o efeito antiagressivo do canabidiol poderia ser anulado ou reduzido com o uso
do WAY100635. “Foi exatamente o que observamos. Nos camundongos residentes que
receberam doses intermediárias de WAY100635 antes do canabidiol, a latência
desde o momento em que o animal intruso foi colocado na gaiola até a ocorrência
do primeiro ataque se aproximou muito da latência observada nos camundongos do
grupo controle – esses não receberam droga e partiram para o ataque dos
intrusos aproximadamente 2 minutos após eles serem colocados nas gaiolas”,
disse Guimarães.
O mesmo se deu com o número de
ataques. Todos os camundongos com dosagens variadas de WAY100635 antes do
canabidiol atacaram o camundongo intruso quase tantas vezes quantas fariam caso
não tivessem recebido droga alguma.
Dados da literatura cientídica
e do próprio laboratório da FMRP-USP sugerem que outro mecanismo do canabidiol
seria a inibição do metabolismo de um neurotransmissor produzido no cérebro
chamado anandamina. Essa substância endógena (um endocanabinoide) ativa
receptores de canabinoide tipo 1 (CB1), que são igualmente ativados pelo
composto THC, encontrado na maconha.
Para verificar se este
mecanismo também poderia estar envolvido no efeito antiagressivo do canabidiol,
foi feito um terceiro experimento repetindo o modelo residente-intruso com a
combinação do canabidiol com o AM251, um antagonista de receptores CB1.
O resultado foi semelhante ao
do experimento com o antagonista do receptor 5-HT1A, o WAY100635.
“Os efeitos antiagressivos do
canabidiol foram atenuados pelo antagonista do receptor 5-HT1A, WAY100635 (na
dose de 0,3 miligrama por quilo), e pelo antagonista do receptor CB1, AM251 (1
miligrama por quilo), sugerindo que o CB1 diminui comportamentos agressivos
induzidos pelo isolamento social por meio de um mecanismo associado à ativação
dos receptores 5-HT1A e CB1”, disse Guimarães.
“Ainda não sabemos de que modo
os receptores 5-HT1A e CB1 atuam para atenuar a agressividade nos camundongos,
mas os mecanismos de ativação envolvidos nos dois casos parecem ser
diferentes”, disse.
O artigo Cannabidiol
attenuates aggressive behavior induced by social isolation in mice: Involvement
of 5-HT1A and CB1 receptors (doi: https://doi.org/10.1016/j.pnpbp.2019.109637),
de Alice Hartmann, Sabrina Francesca Lisboa, Andreza Buzolin Sonego, Débora
Coutinho, Felipe Villela Gomes e Francisco Silveira Guimarães, está publicado
em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278584618308340?via%3Dihub.
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