No ano do 15º aniversário da
lei da reforma psiquiátrica, a revista História,
Ciências, Saúde – Manguinhos (v. 24, n. 4, out/dez 2016) lança uma
edição dedicada à saúde mental. Disponível integralmente para acesso no portal
SciELO, o novo número reúne 12 artigos que abordam temas que vão das relações entre catolicismo, psicanálise e fascismo na
Itália durante o período entreguerras, às chamadas neurodisciplinas da cultura, como a neuroantropologia e a
neurociência cultural, passando ainda por uma análise da obra O alienista, de
autoria de Machado de Assis.
O artigo que abre a edição
discute os efeitos das mudanças na classificação e no entendimento das doenças mentais ocorridos desde a
publicação da terceira revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana
em 1980. O documento aboliu as grandes categorias que eram patrimônio comum da
psicanálise e da psiquiatria – psicose, neurose e perversão – e introduziu em
seu lugar uma classificação dita ateórica com base, em tese, apenas em sintomas
empiricamente observáveis.
Figura central da psicologia
italiana, especialmente nas décadas de 1930 e 1940, o padre franciscano Agostino Gemelli, tem parte de sua
trajetória analisada por um artigo deste número da revista. O religioso
desempenhou importante papel nas articulações entre o mundo católico e o
fascismo. O autor enfoca as estratégias de construção profissional de Gemelli,
especialmente a modo como sua ligação com o poder político e eclesiástico
permitiu sua crescente relevância na psicologia italiana. O texto destaca a
tensão entre a relativa abertura do religioso e o seu compromisso com
ideologias autoritárias.
Disciplinas surgidas a partir
dos anos 1990 na interface entre neurociência e ciências sociais e humanas são
o foco do artigo Cultura: pelo cérebro ou no cérebro?. Os autores oferecem
uma visão geral da neuroantropologia e da neurociência cultural e discutem
estudos representativos dessa área, analisando sua relevância para a
compreensão da cultura. Outro artigo, que se debruça sobre a obra de Machado de Assis, traz um mergulho na
historiografia das práticas de intervenção psiquiátricas vigentes no Brasil nos
séculos 19 e 20 e os aportes teóricos e lógicas de poder e sociabilidades que
lhes davam sustentação.
História, Ciências, Saúde –
Manguinhos publica uma série de artigos dedicados ao contexto
espanhol. Um dos trabalhos investiga a importância das viagens e das redes profissionais nas origens da psiquiatra no país
ibérico. Integram ainda este número um estudo sobre os debates travados durante a ditadura franquista sobre a
inclusão de pessoas com deficiência intelectual na sociedade, além de uma análise dos discursos sobre a cura na medicina mental espanhola entre
1890-1917, marcados por um maior pessimismo terapêutico na comparação com as
décadas anteriores.
Completam a edição uma
discussão sobre novas possibilidades de análise da história da psiquiatria no Brasil a partir de
uma pesquisa feita com fichas de entrada do Hospício de Pedro II entre 1883 e
1889; um artigo sobre o uso médico das técnicas de avaliação psicológica de lactantes em Buenos Aires; além de
um estudo sobre as investigações levadas a cabo no início do século 20 a
respeito da natureza de fenômenos psíquicos/espirituais; uma análise
sobre o livro Simulación de la locura,
publicado em 1903 pelo psiquiatra argentino José Ingenieros; e um trabalho
sobre as relações entre ginástica e saúde no Rio de Janeiro do século 19.
Publicados diariamente de 1994
a 2002 no jornal Correio Popular, de Campinas, os quadrinhos Os cientistas são
analisados em um dos textos da seção Imagens. Produzidos por jornalistas e
pesquisadores brasileiros, Os Cientistas apresentaram
a prática científica de modo crítico e irreverente, expondo a insegurança e as
frustrações dos cientistas, além dos conflitos entre eles e a dificuldade de
comunicação com outros grupos, como os jornalistas. Essa sessão inclui ainda
uma análise sobre a presença de registros sobre trabalhadores com sinais de
varíola no acervo da Delegacia Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul entre
1933 e 1944.
Leia mais no blog da revista História, Ciências, Saúde –
Manguinhos.
Glauber Gonçalves (COC/Fiocruz)
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