As
duas primeiras mesas de discussão (1°/12) do seminário 2º Seminário de Dengue,
Zika e Chigunkunya apresentaram um panorama epidemiológico das doenças e
estratégias eficazes para combatê-las. Enquanto a primeira mesa falou da
situação da epidemia de chikugunya nas Américas, no Brasil e no Rio de Janeiro,
a segunda se voltou para a identificação clínica de casos graves das
enfermidades e para experiências bem-sucedidas em seus enfrentamentos, como a
registrada em Feira de Santana, na Bahia, município que, desde 2015, enfrenta
um grave surto de chikungunya.
Diretor
do Departamento de Doenças Transmissíveis e Análises de Saúde da Oraganização
Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), Marcos Espinal fez a primeira apresentação
do dia, sobre a necessidade de se pensar em uma estratégia integrada contra
todas as arboviroses e o Aedes aegypti. Do contrário, disse o diretor da Opas,
novas epidemias e novos vírus poderão continuar a se proliferar. “Ontem
falávamos em dengue, hoje em zika, amanhã pode ser o vírus mayaro. Temos que
pensar em uma resposta integrada”, afirmou.
Segundo
Espinal, esta resposta integrada exige que o controle de vetor seja reforçado,
e que os esforços governamentais sejam interssetoriais, indo além dos órgãos de
saúde. “A vigilância não pode ficar apenas sob o encargo de ministérios da
saúde, ela também precisa envolver os ministérios do meio ambiente e da
educação, por exemplo. Temos a famosa estratégia integral de dengue: talvez
tenhamos que começar a falar também de uma estratégia integral de controle de
arboviroses”, disse.
A
situação epidemiológica das arboviroses no Brasil foi o tema seguinte, em
apresentação da assessora da secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde
Lívia Frutuoso. Ela destacou que a dificuldade de diagnosticar pacientes com
chikungunya significa que diversos casos da doença podem ter sido registrados
como dengue. A despeito disso, afirmou Frutuoso, já se sabe que o novo vírus é
letal sobretudo para crianças e idosos, e que seus óbitos se concentraram em
estados do Nordeste.
Na
conclusão de sua apresentação, a representante do Ministério da Saúde destacou
perspectivas para o combate as arboviroses: uma vigilância integrada para
dengue, zika e chikungunya; a redução de mortes e da incidência das doenças; a
ampliação de diagnósticos laboratoriais pós-morte; o aprimoramento da
vigilância de manifestações neurológicas; o aprofundamento do conhecimento
sobre os fatores de risco para malformações congênitas, entre outros. Segundo
Frutuoso, diversas dessas perspectivas passam por iniciativas da Fiocruz, como
o monitoramento da resistência do vetor Aedes aegypti e a bactéria Wolbachia.
O
subsecretário de vigilância em saúde do Estado do Rio de Janeiro, Alexandre
Chieppe, fez a apresentação seguinte, alertando sobre a possibilidade de uma
epidemia de chikungunya neste verão. Segundo ele, estes riscos são mais
elevados do que os de uma epidemia de zika ou de dengue, uma vez que boa parte
da população já está imune a estas doenças. Diversos fatores contribuem para
aumentar a possibilidade de um surto de chikungunya, como uma população que não
é imune ao vírus, fatores climáticos, a presença de vetor competente em vasta
quantidade e caraterísticas do vírus e da população, entre outros.
Estes
fatores, disse Chieppe, exigem que o Estado se prepare, o que no caso do Rio,
segundo afirmou, vem acontecendo desde meados deste ano. “O risco de uma
epidemia de chikungunya é maior do que o de uma de dengue, visto que só tem
circulado um tipo desta doença, e do que de zika, que é um vírus que circulou
muito. Há lacunas no conhecimento epidemiológico, mas temos que nos preparar. O
chikungunya é um vírus diferente dos outros, porque pode ter uma taxa de ataque
maior. Temos que estar organizados para evitar que pessoas morram. Além disso,
as pessoas podem apresentar sintomas por semanas ou meses, o que coloca mais um
desafio”, afirmou.
Como
diferenciar dengue, zika e chikungunya
A
mesa seguinte foi aberta pelo diretor da Fiocruz Mato Grosso, Rivaldo Venâncio,
que fez uma apresentação sobre as principais manifestações clínicas para quais
médicos devem atentar para distinguir casos de dengue, zika e chikungunya:
febre, dor e manifestações cutâneas. Segundo Rivaldo, a febre, nos casos da
dengue, costuma ser alta, sendo geralmente continua, e regredindo apenas com
antitérmicos. Ela pode persistir por dois a três dias. Quando se trata de zika,
é quase sempre baixa ou mesmo ausente, regredindo sem medicação e persistindo
por um dia; nos de chikungunya, a febre se apresenta de forma muito parecida
aos casos de dengue.
Em
relação a dor, Venâncio explicou que, em casos de dengue, ela costuma ser muito
frequente, com as dores musculares geralmente sendo mais intensas que as dores
nas articulações, e com as últimas raramente sendo acompanhadas por edemas. As
dores não costumam incapacitar o doente para as atividades cotidianas. Já em
pacientes com zika, as manifestações dolorosas são raramente muito intensas, e
não costumam impedir atividades cotidianas. Em casos excepcionais, edemas podem
estar presentes nas extremidades do corpo. A dor em pacientes com chikungunya,
por fim, geralmente é incapacitante, criando dificuldades para a realização de
atividades de rotina. As artralgias – dores nas articulações – quase sempre são
acompanhadas de edemas, e geralmente envolvem mais de vinte articulações.
As
manifestações cutâneas, finalmente, também são importantes para a distinção
clínica das doenças. Na dengue – exceto em pessoas que já foram infectadas
anteriormente – ocorrem normalmente depois do terceiro ou quarto dia de
evolução da doença, isto é, são manifestações “tardias” da infecção. Geralmente
surgem no tronco e só depois na face, e os pruridos normalmente tendem a ser
regiões extremas. Nos casos de zika, lesões cutâneas geralmente são
generalizadas, e costumam ser as primeiras manifestações clínicas da doença,
normalmente acompanhadas de prurido intenso. No chikungunya, por fim, tendem a
aparecer depois de manifestações dolorosas, e normalmente são acompanhadas de
prurido. Em crianças vistas com manifestações vesiculares e bolhosas, também podem
haver infecções bacterianas secundárias.
Venâncio
encerrou sua apresentação fazendo um alerta sobre os elevados riscos de
epidemia de chikungunya no Brasil: “Não [só] acredito que teremos uma epidemia
em 2017, [como] já estamos tendo em 2016. A epidemia já está em curso, não só
no Rio, como no Brasil. A tendência é que se agrave”, afirmou. Para o
pesquisador, isto torna a distinção entre os sintomas ainda mais fundamental,
que acrescentou ainda que “a confirmação laboratorial poderá ser imprescindível
em cenário de tríplice epidemia”.
O
diretor da Fiocruz Mato Grosso fez ainda um alerta: “O que fizemos em relação
ao aedes aegypti nos últimos 30 anos? Não há milagres para resolver
determinantes sociais da saúde. A pulverização aérea deve ser considerar uma aventura
ou um crime ambiental? Ao invés de jogar inseticida, o estado deve garantir
acesso regular a água encanada e saneamento”.
Experiências
de sucesso contra arboviroses encerram mesa
Depois
de Venâncio, a enfermeira que trabalha na vigilância epidemiológica de Feira de
Santana Maricélia Maia de Lima compartilhou a experiência do município baiano
no combate à epidemia de chikungunya, em curso desde 2015. No começo do surto,
disse a enfermeira, havia dificuldades para se diferenciar a doença e a dengue:
os pacientes não sabiam o que fazer diante da dor, e voltavam ao
pronto-atendimento diversas vezes, enquanto os profissionais de saúde também se
encontravam desarmados diante do problema. “Toda a rede privada e pública
enviava seus casos para a vigilância. Não tivemos como nos preparar, precisamos
fazer tudo muito rapidamente”, disse. “É um impacto muito forte ver a população
de sua cidade doente, pessoas adoecendo sem controle, sua mãe, seu filho,
pessoas do trabalho, do bairro, todos doente ao mesmo tempo”.
A
estratégia para enfrentar esse difícil cenário foi múltipla e envolveu, segundo
Lima, “tecnologias leves”: campanhas de capacitação e conscientização,
alertando sociedade civil e profissionais de saúde sobre o problema. Um contato
maior com a imprensa, a criação de cartilhas, o estabelecimento de um
ambulatório reunindo todas as especialidades necessárias ao atendimento de
pacientes, assim como oficinas de profissionais como o próprio Rivaldo
Venâncio, conseguiram dar uma resposta adequada ao surto. Este conhecimento
acumulado, de acordo com a profissional de saúde, foi fundamental mais tarde,
quando chegou a epidemia de zika.
O
professor de medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) encerrou a
mesa, explicando uma proposta de capacitação para o atendimento a pacientes
acometidos pelas três doenças denominada “Arboviroses em 25 minutos”. A ideia
da capacitação surgiu a partir da constatação de que casos graves de dengue
tinham inadequação de diagnóstico de 70%.
Este
número, segundo Brito, foi sinal de que os elevados índices de letalidade da
doença podem estar relacionados ao não atendimento das normas técnicas para o
diagnóstico e tratamento de casos de dengue preconizados pelo Ministério da
Saúde. “Ações de capacitação no modelo tradicional têm tido baixa adesão. Aulas
e treinamentos longos, não destacando o essencial para condução de casos, têm
capilaridade limitada”, afirmou.
A
capacitação proposta visa reverter este cenário, destacando o essencial para
evitar o óbito. Pontos chaves, capazes de impactar a evolução clínica da
doença, são enfatizados. O objetivo é atingir o maior número possível de
profissionais que prestam atendimento aos pacientes com arboviroses. A dor dos
pacientes é um dos principais pontos enfatizados na capacitação, porque,
segundo o professor, a dor aguda tratada de forma inadequada é uma das mais
frequentes causas de cronificação dos sintomas.
André
Costa (Agência Fiocruz de Notícias)
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