O número de artigos científicos publicados
mundialmente em revistas indexadas pelo PubMed na área de ciências biomédicas
que tiveram que sofrer retratação por suspeita de fraude aumentou 10 vezes nas
últimas quatro décadas, apontou um estudo publicado
em 2012 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of
the United States of America (PNAS), da Academia de Ciências dos Estados
Unidos.
A quantidade de iniciativas lançadas por
universidades, instituições de pesquisa, revistas científicas e agências de
fomento em diferentes partes do mundo para coibir a má conduta científica,
contudo, também tem aumentado nos últimos anos – o que demonstra que o sistema
de produção do conhecimento tem se movido para coibir a má conduta científica.
A avaliação foi feita por participantes de uma
mesa-redonda sobre ética na ciência promovida pelo Centro Alemão de Ciência e
Inovação –São Paulo (DWIH-SP) na segunda-feira (17/07), na 69ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com o tema “Inovação – Diversidade –
Transformações”, o evento, que ocorre até o próximo sábado (22/07) no campus
Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reúne pesquisadores do
Brasil e do exterior e gestores do sistema nacional de ciência e tecnologia.
“Temos visto que os pesquisadores e as instituições
têm sido proativos e estão bastante inclinados a desenvolver mecanismos para
coibir a má conduta científica, como novas políticas editoriais para publicação
de artigos e para reprodutibilidade de dados de pesquisas” disse Sonia Maria
Ramos de Vasconcelos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
“Essas iniciativas são crescentes e as instituições
de pesquisa têm o dever de acompanhar a discussão sobre boas práticas científicas,
monitorar os problemas e solucioná-los com transparência, para que a sociedade
saiba que problemas existem, mas que o sistema tem tentado se organizar da
melhor maneira para resolvê-los", indicou.
Na avaliação da pesquisadora, a discussão sobre má
conduta científica tem ganhado maior fôlego à medida que as instituições
envolvidas na produção e difusão do conhecimento têm sido cobradas a assumir
maiores responsabilidades nesse campo.
Um dos desdobramentos da maior preocupação das
instituições com a ética na ciência e do aumento da sensibilidade dos
pesquisadores para esse tema é a forma como o artigo científico tem sido
concebido hoje e como a revisão dos dados de pesquisa vem sendo administrada
pela própria comunidade científica, avaliou.
“O peer review [revisão por pares]
dos artigos científicos, após a publicação, tem se tornado cada vez mais
intenso, de modo a manter a confiabilidade nos dados científicos. E se, por
exemplo, a correção da literatura científica, por meio de artigos retratados, tem
crescido, é um sinal de que o processo de autorregulação da ciência tem
caminhado, com todas as dificuldades naturais do sistema, para se organizar e
solucionar os problemas”, avaliou.
Educação e prevenção
A questão da ética na ciência, contudo, só tem
entrado na pauta das universidades e instituições de pesquisa quando surge
algum escândalo na imprensa, apontou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor
científico da FAPESP.
"São raras as vezes que as universidades e
instituições de pesquisa promovem um workshop para promover
boas práticas em pesquisa", disse.
"A FAPESP quer que as universidades e
instituições de pesquisa de São Paulo façam isso todos os semestres, para falar
sobre o assunto com estudantes, pesquisadores e todas as pessoas envolvidas com
a atividade de pesquisa. É preciso conversar sobre um tema que não deve ser
varrido para debaixo do tapete. Ele tem que estar no centro da sala do mundo da
pesquisa", avaliou.
A fim de estimular as universidades e instituições
de pesquisa paulistas a tratarem desse assunto mais frequentemente com seus
pesquisadores – que, juntos, publicam uma quantidade de artigos científicos
maior do que qualquer país da América Latina –, a FAPESP lançou em 2011
um Código de Boas
Práticas Científicas.
Publicado após três anos de debates e consultas a
entidades como a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Código se
assenta em três pilares: educação, prevenção e a investigação e sanção justa e
rigorosa.
Desses três elementos, os dois primeiros deveriam
ser mais importantes e tratados com maior afinco pelas universidades e
instituições de pesquisa no Brasil, avaliou Brito Cruz.
"Deveria ser gasto muito mais tempo em
educação e prevenção do que com a investigação e sanção de casos de má conduta
científica. Só que a maioria das instituições de pesquisa no Brasil trata do
terceiro pilar – sanção justa e rigorosa – e quando aparece a notícia no
jornal", afirmou.
"É preciso inverter essa equação. É necessário
promover a educação e prevenção para evitar ter casos que precisem ser
investigados e aplicar sanções", avaliou Brito Cruz, que também participou
de outra mesa-redonda sobre educação superior para o mundo contemporâneo.
Exemplos internacionais
A Alemanha e o Japão, dois dos cinco países
apontados pelo estudo publicado na PNAS como os mais afetados pelo aumento do
número de artigos científicos retratados na área de ciências biomédicas – atrás
apenas dos EUA e à frente da China e os do Reino Unido –, também têm se
mobilizado para coibir a má conduta científica entre seus pesquisadores.
Em razão de uma série de casos de fabricação e
falsificação de dados de pesquisa por pesquisadores japoneses que começaram a
surgir em 2014, o Science Council of Japan (SCJ) lançou no final de 2013 várias
medidas para prevenir a fraude em atividades de pesquisa e de ações de correção
para melhorar a integridade da ciência produzida pelo país.
E em 2014, o ministro da Educação, Cultura,
Esportes, Ciência e Tecnologia daquele país revisou as diretrizes para
responder à má conduta científica de pesquisadores japoneses, contou Satoru
Ohtake, da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia (JST, na sigla em inglês).
"A integridade científica é importante para
manter o ambiente de pesquisa saudável e assegurar o progresso da ciência, de
modo que ela produza seus efeitos e seja convincente. Além disso, assegura a
confiabilidade das sociedades nos cientistas", avaliou.
Por sua vez, as instituições de amparo à pesquisa
na Alemanha, como a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG, na sigla em
alemão), tem criado uma série de medidas para fortalecer as boas práticas
científicas entre os pesquisadores alemães, contou Jens Ried, diretor do Centro
de Gestão, Tecnologia e Sociedade da Friedrich-Alexander-Universität (FAU), de
Erlangen-Nuremberg.
Entre elas, a instituição da figura de um ombudsman,
com o qual os pesquisadores podem se consultar sobre o assunto.
"A ciência baseia-se na integridade. Este é um
dos princípios mais fundamentais da boa prática científica e da pesquisa, em
geral. É obrigação de cada cientista garanti-la", disse Ried.
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