Apenas quatro empresas no
mundo produzem insumos para remédios que tem como princípio ativo a penicilina,
antibiótico não mais protegido por patente e com baixo retorno econômico,
inclusive para os laboratórios nacionais que fabricam medicamentos a partir dessa
matéria-prima.
Esse contexto explica o quadro
de desestímulo à produção e a atual crise de abastecimento, segundo convidados
de audiência pública nesta quinta-feira (13) na Comissão de Direitos Humanos
(CDH).
A escassez do medicamento,
tanto na rede pública quanto em farmácias, tem sido apontada como causa
importante do crescimento de casos de sífilis e outras infecções facilmente
tratadas com penicilina. O problema, que está ocorrendo também em diversos
países, motivou o senador José Medeiros (PSD-MT) a convidar autoridades da área
de saúde e representantes do mercado para analisar seus reflexos e alternativas
de soluções.
- Temos nesses últimos tempos
dificuldades imensas para as pessoas terem acesso a esses medicamentos. Como
não é prioridade internacional, não tem se tornado pauta muito importante na
mídia nem para ninguém. O objetivo dessa audiência é trazer o problema à luz,
ouvir os especialistas e buscar, com o governo, soluções para que o medicamento
não falte para as pessoas que necessitam – justificou.
Garantia até 2018
Apesar da crise, a
representante do Ministério da Saúde, Lorena Brito Evangelista, afirmou que o
abastecimento do sistema público de saúde em todo o país está garantido até
2018. Nesse momento, informou Lorena, a pasta está providenciando a aquisição
de 2,4 milhões de frascos de penicilina, com investimento estimado em R$ 12
milhões.
- A meta é ofertar o
medicamento de forma centralizada para atender todos os casos de sífilis
detectados no Brasil – garantiu.
Na exposição, ela relatou as
medidas adotadas a partir de 2015 pela pasta, onde ela responde pela
Coordenação Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos, para
enfrentamento a crise surgida naquele ano. O ministério passou então a fazer
compras centralizadas para atender estados e municípios.
A estabilidade da política foi
reforçada com a inclusão desse medicamento no “componente estratégico” de
assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, a União
assumiu a responsabilidade formal pelo abastecimento, já que os municípios
vinham encontrando dificuldades de adquirir o medicamento com repasse direto de
recursos.
Compra internacional
Uma das aquisições emergência
em 2015 foi feita no exterior, via Organização Panamericana de Saúde (Opas),
envolvendo a compra de 2 milhões de frascos de Benzilpenicilina Benzatina,
apontada como a formulação mais difícil de ser encontrada. Outra foi com o
laboratório Teuto, aqui mesmo no Brasil, que ainda tinha uma partida residual.
Nas duas operações, o governo gastou mais de R$ 3 milhões.
Em 2016, a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resolução que dispensou laboratórios
nacionais do exigido registro de insumo farmacêutico ativo (IFA) para
Benzilpenicilina. Com essa medida, segundo Lorena, os laboratórios tiveram mais
facilidade para importar insumos e aumentar a produção, o que possibilitou a
nova aquisição emergencial de mais 230 mil frascos do antibiótico, dessa vez na
forma de Benzilpenicilina Potássica, usada no tratamento da sífilis congênita
em bebês.
Saúde pública
Pela Anvisa, participou da
audiência Patrícia Fernandes Nantes de Castilho, que comanda a Coordenação de
Registro de Insumo Farmacêutico Ativo. Ela explicou que o registro IFA serve
para assegurar as boas práticas de fabricação e a qualidade final dos remédios.
Explicou que a dispensa concedida para o insumo Benzilpenicilina, de caráter
temporário, foi feita diante da crise de abastecimento e do problema de saúde
pública que é a sífilis.
Hoje existe 238 registros de
insumos farmacêuticos ativos válidos na Anvisa, informou Patrícia. Ela
mencionou ainda a entrada de 17 pedidos de dispensa de registros, 11 dos quais
relacionados à Benzilpenicilinas, o que demonstra que essa é uma matéria-prima
sensível. Depois, alertou que as dificuldades que determinaram a dispensa da
certificação estão cessando, e que os fabricantes terão de se adequar.
Situação de mercado
Aspectos de mercado
relacionados à produção de penicilinas foram abordados por outros dois
convidados, um deles Arthur Covacevick, da empresa Nord Regulatorial, que
presta consultoria em processos de registro de produtos em órgãos públicos.
Segundo ele, das quatro empresas que hoje produzem insumos, uma é da Áustria e
três são chinesas. Como a droga ficou muito barata, mesmos essas empresas
limitaram sua produção a 20% da capacidade.
- Isso faz com que o mundo
sofra com o desabastecimento, especialmente os países mais pobres. Essa crise
tem causado o aumento da sífilis, inclusive no Brasil, onde a gente nem mais
ouvia falar da doença – disse.
Covacevick observou que um dos
registros de comercialização de insumo negados pela Anvisa foi de uma das
empresas da China. Nesse caso, foi constado que a fábrica não operava de acordo
com as normas sanitárias brasileiras. A seu ver, é pouco provável que uma
empresa decida produzir no país, devido ao alto valor do investimento
inicial e dos custos na fase de produção, em comparação com os baixos preços do
remédio, submetidos a controles no Brasil.
- O maior problema é mesmo a
concorrência chinesa. Todos sabemos que a mão de obra lá é extremente barata, e
assim eles conseguem produzir por valor muito inferior. Aqui o lucro é
baixíssimo. É praticamente impossível concorrer com os chineses – afirmou.
Para Pedro Bernardo, da
Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), as condições de
concorrência são difíceis, seja pelo alto custo dos investimentos e impostos.
Destacou ainda a insegurança jurídica decorrente da mudança inesperada das regras
regulatórias e o controle de preços.
No caso das penicilinas, disse
que a entidade vinha defendendo a liberação dos preços ao mercado como forma de
estimular a ampliação da oferta dos medicamentos. Finalmente foi aprovado um
aumento em 2015, mas insuficiente para corrigir a defasagem. Segundo ele, o
reajuste foi de 70%, enquanto a inflação acumulada chegava quase a 120%.
Geraldo Magela/Agência Senado
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