Membros
da comunidade científica brasileira traçaram nesta terça-feira (11) um quadro
sombrio da situação da pesquisa científica no Brasil, em audiência pública
interativa na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e
Informática (CCT). O corte orçamentário de 44% no Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações em 2017 gerou "uma situação dramática", na
expressão do secretário-executivo da pasta, Elton Santa Fé Zacarias.
"O
ministro [Gilberto] Kassab tem obtido pontualmente alguma compreensão do
Ministério do Planejamento", disse Zacarias, citando alguns casos de
liberação emergencial de recursos para a ciência. "Mas nunca vi uma
situação dessas", reconheceu o secretário-executivo, à frente do
ministério em razão de viagem de Kassab a Portugal.
A
audiência, convocada por requerimento do senador Jorge Viana (PT-AC), discutiu
maneiras de convencer o Congresso a incluir ciência, tecnologia e inovação nas
exceções ao teto de gastos previstas na Emenda Constitucional 95, promulgada no
ano passado. A partir de 2018, os gastos federais só poderão aumentar de acordo
com a inflação. As áreas de educação e saúde ficaram de fora desse limite.
"Será que a área de ciência e tecnologia não merece um tratamento
diferenciado? Acho que ela tem que ser uma das escolhas do país", disse
Viana.
Os
participantes da audiência disseram temer que a situação se agrave em 2018,
quando serão usados como parâmetro os valores gastos este ano. Para eles, os
cortes em pesquisa e desenvolvimento são um erro estratégico. "Ciência,
tecnologia, inovação e educação não são gastos", disse Helena Nader,
presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
"São investimentos. Não é que sejam melhores que outras pastas, mas são
estratégicas e no longo prazo vão permitir ao país sair da crise."
Segundo Álvaro
Toubes Prata, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do
Ministério de Ciência e Tecnologia, o Brasil investe cerca de 1,2% do produto
interno bruto (PIB) em ciência e tecnologia, índice considerado baixo para os
padrões internacionais. "E certamente com as restrições orçamentárias esse
número vai baixar", previu. O presidente da Academia Brasileira de
Ciências, Luiz Davidovich, apresentou números que dão uma dimensão do corte.
Segundo ele, o orçamento deste ano para ciência e tecnologia (excluindo a área
de comunicação) é de aproximadamente R$ 2,5 bilhões, contra R$ 6 bilhões em
2005 e mais de R$ 9 bilhões em 2010, em valores corrigidos pela inflação.
"O orçamento atual é quase um quarto do de 2010. Essa é a razão pela qual
laboratórios estão fechando em vários estados da federação. O que estou dizendo
aqui é quase um grito de alerta."
Davidovich
qualificou de "pedalada" o desvio de recursos dos fundos voltados
para financiar a pesquisa. O presidente da CCT, senador Otto Alencar (PSD-BA),
concordou e lembrou que apresentou projeto de lei (PLS 125/2017)
para impedir que valores do Fundo de Universalização dos Serviços de
Telecomunicações (Fust) e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das
Telecomunicações (FUNTTEL) sejam desviados para a redução do déficit
orçamentário federal. "A crise pode mudar em dois, três, oito dias. O que
não pode mudar é a política de investimento em ciência e tecnologia", disse
Otto.
Fernando
Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às
Instituições de Ensino Superior e Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies),
deu exemplos de consequências dos cortes, como 300 professores da Universidade
Estadual do Norte Fluminense que, segundo ele, estão sem pagamento há quatro
meses. "A comunidade científica tem que deixar de ser corporativa. Tem que
discutir onde está o dinheiro do país. E nós temos a capacidade intelectual de
descobrir isso", afirmou. Peregrino propôs a criação de um grupo de
trabalho para "esquadrinhar o Orçamento".
"Essa
ideologia da austeridade fiscal é uma loucura completa. Esses ditos economistas
dizem que nós temos que cortar mais. O nome disso é ignorância", disse o
senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Para o colega Waldemir Moka (PMDB-MS),
"nós temos que estar unidos", independente das posições partidárias.
Presente à audiência, o deputado federal Celso Pansera (PMDB-RJ), ex-ministro
da Ciência, pediu que a área "não fique sujeita às intempéries de quem
estiver no governo".
Proposições
legislativas: PLS 125/2017
Pedro
França/Agência Senado
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